quinta-feira, 3 de setembro de 2015

MENINOS E MENINAS

A música meninos e meninas sem dúvida fala da descoberta da homossexualidade pelo Renato, retrata os problemas enfrentados pelos gays, principalmente na época em o preconceito era muito maior. E fala também paralelamente de uma possível desilusão amorosa, dos percalços de uma relação não correspondida.

O Renato era um sonhador romântico, no entanto, a relação entre dois homens muitas vezes é baseada mais no sexo, algo mais carnal, então talvez ele tenha se decepcionado com alguns relacionamentos. Então antes de apenas ser um desabafo ou o Renato assumindo ser gay, é uma música que fala de relacionamentos, de decepções amorosas, de liberdade, descobertas e de superação.
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"Quero me encontrar, mas não sei onde estou
Vem comigo procurar algum lugar mais calmo
Longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita
Tenho quase certeza que eu não sou daqui"

Nessa estrofe o Renato fala de uma maneira geral de como os seres humanos estão cada dia mais individualistas, todos só pensam em si mesmos, e que ele não se reconhece nesse “mundo” onde ninguém se respeita, se achando perdido, um “peixe fora d’água”. Provavelmente além do individualismo ele tenha sofrido preconceito por ser gay, pelo estilo de se vestir e se portar. Renato era uma pessoa excêntrica.

Note que o Renato não está sozinho nessa estrofe, ele chama alguém “vem comigo procurar algum lugar mais calmo”. Então ele se apoia em alguém, desejando que essa pessoa siga ele e ajude ele a superar esse mundo louco, superar essa nova descoberta de gostar de meninos. Renato deixa claro que quer se isolar com alguém, típico de quando estamos apaixonados e queremos viver no nosso mundo sozinhos com a pessoa amada.
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"Acho que gosto de São Paulo
Gosto de São João
Gosto de São Francisco e São Sebastião
E eu gosto de meninos e meninas"

Aqui muitos analistas falam que o Renato quis fazer referência aos santos católicos, e eu na verdade acredito que sim, há referências religiosas, mas como pano de fundo, algo mais metafórico e até com dupla interpretação. Para mim o Renato faz referência a lugares, a cidades que talvez ele quisesse ir morar, talvez como fuga.

Então São Paulo, a maior cidade do Brasil, o sonho de muitos brasileiros, a cidade próspera, contemporânea. Ou no nordeste onde tem a famosa festa de “São João”, ou mesmo em São Francisco, cidade pioneira na aceitação de gays nos EUA, ou mesmo ali do lado, na Região Administrativa de São Sebastião, uma localidade mais afastada de Brasília.

Ele pode ter jogado também as cidades com realidades opostas. De um lado São Paulo, de outro “São João”, o nordeste. De um lado São Francisco, cidade em um país desenvolvido, de outro a pequena localidade de São Sebastião, em Brasília. E no final menciona gostar de opostos também, de meninos e de meninas. Talvez ele quis trabalhar essa dialética, essa dicotomia. Um recado de que ele pode gostar do que quiser e ser quem quiser.

Considero também que ele queira reforçar que é católico, é temente a Deus, mas que é gay, que no caso é mais uma situação "oposta".
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"Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre
Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente
Estou cansado de bater e ninguém abrir
Você me deixou sentindo tanto frio
Não sei mais o que dizer"

Nessa estrofe o Renato vai se conformando com a sexualidade. Quem é gay passa pelo processo da auto aceitação. Tudo é novo, aos poucos se vai vendo que é um caminho sem volta. Gays nascemos assim e por mais que tentem mudar a realidade, ela vai se mostrando cada vez mais forte. Então “é assim mesmo e vai ser assim pra sempre”. Como quem está experimentando e vivenciando coisas novas, e aprendendo na prática todas as particularidades e padrões de um relacionamento gay.

“Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente”, acredito que nessa etapa Renato já tenha se envolvido pelo homem com quem está se relacionando e que já descobriu que numa relação homoafetiva, dependendo, pode ser muito complicado, principalmente se a outra pessoa não se aceita. Se a outra pessoa não está disposta a se envolver e viver um relacionamento, fazendo com que a relação fica apenas em um nível sexual, muito comum entre dois homens.

Renato fala das tentativas que fez, “cansado de bater e ninguém abrir”. Acredito que ele quis dizer em abrir o coração, a alma. É comum não só em relações homoafetivas, mas em qualquer relacionamento, as pessoas irem tentando achar a pessoa certa. E o Renato talvez tivesse achado que encontrou alguém pra valer, mas esta pessoa, como outras, o deixaram "sentindo frio", o abandonaram. Abandou ele nesse momento de fragilidade. Algo como “gozou e foi embora” com o perdão da palavra.

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"Te fiz comida, velei teu sono
Fui teu amigo, te levei comigo
E me diz: pra mim o que é que ficou?"

Nesse verso o Renato joga na cara tudo o que fez pela pessoa amada e no final não teve recompensa, no final foi abandonado. Muito comum quando somos “abandonados”, no final não fica nada pra gente. Foi eterno enquanto durou, e de um relacionamento só fica a experiência. O Renato talvez quisesse que a pessoa tivesse se entregado e feito as mesmas coisas por ele.

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"Me deixa ver como viver é bom
Não é a vida como está, e sim as coisas como são
Você não quis tentar me ajudar
Então, a culpa é de quem? A culpa é de quem?"

Nessa etapa o Renato já passa para a fase de “já que não me quer tem quem queira”, e ameaça aproveitar a vida, ficar com outras pessoas, já que a outra não quis. Uma estratégia para mostrar para a outra pessoa que ela está perdendo, mas que muitas vezes não da certo. E no final se a pessoa perder ele, a culpa vai ser de quem? Pergunta retórica de quando queremos colocar a culpa na própria pessoa.

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"Eu canto em português errado
Acho que o imperfeito não participa do passado
Troco as pessoas
Troco os pronomes"

Aqui o Renato, um exímio poeta, faz um trocadilho com a língua portuguesa. O pretérito imperfeito como “eu te amava”. Uma ação que aconteceu e ficou no passado. Ele não aceita o fato da pessoa ter amado e agora não amar mais.

E trocar as pessoas e os pronomes é muito comum entre os gays, principalmente quando se referem aos parceiros. Ao invés se referir ao parceiro como “meu namorado”, quando o gay não é completamente assumido falam “minha namorada”, trocam as pessoas, os pronomes, os gêneros.

Esse trecho também pode retratar ele ficando com muitos outros homens, tendo parceiros casuais, ou mesmo confundindo o nome das pessoas avulsas com quem tem se relacionado, enxergando a pessoa amada em outro alguém.

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"Preciso de oxigênio, preciso ter amigos
Preciso ter dinheiro, preciso de carinho
Acho que te amava, agora acho que te odeio
São tudo pequenas coisas e tudo deve passar"

Aqui é um pedido de ajuda do Renato, mas também é ele tentando se convencer de que o que ele precisa de verdade é do oxigênio (necessidade fisiológica) e de ter amigos, e não da pessoa amada. Precisa de dinheiro e de carinho, algo que a pessoa não deu. Então ele tenta esquecer a pessoa tentando se convencer do que realmente ele necessitava para viver e o que quer verdadeiramente em uma relação: carinho. Aqui ele está no processo de superação da perda da pessoa amada, já mais conformado até de que a pessoa não merecia ele.

Então ele fala do amor e ódio, que andam de mãos dadas. Um dia estamos amando, e quando somos abandonados, ou não somos correspondidos, acabamos por “odiar” a pessoa. Mas que ele, como uma pessoa iluminada e desenvolvida espiritualmente, entende que é tudo muito pequeno diante da grandiosidade da vida, e que tudo vai passar com o tempo. Ou seja, ele mostra que tem esperança e que não vai desistir da sua procura, que já está quase pronto para outra.

Para concluir, acho que o Renato quis descrever o processo de aceitação dele como gay e a dificuldade de se relacionar, se ser correspondido. Fala do fim de um relacionamento onde o Renato se doava, se entregava, mas que provavelmente não teve cumplicidade e companheirismo, não com a intensidade que ele queria, e a pessoa acabou deixando ele. A música fala de amor próprio e do que é prioridade na nossa vida. É um recado de que não devemos nos anular em prol da pessoa amada e nunca se esquecer de quem realmente somos e o que queremos.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

PAIS E FILHOS

Esta canção fala exatamente do que diz o título, a relação entre pais e filhos, a relação das famílias e todos os conflitos, perturbações, medos, laços e sentimentos inerentes a elas. Foca muito o lado dos filhos principalmente, do cuidado que os pais devem ter com eles, na sua criação, no suporte emocional que os pais devem dar aos filhos, mesmo que estes não o compreendam bem. Fala de educação, um pouco de religião e de morte.
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"Estátuas e cofres e paredes pintadas
Ninguém sabe o que aconteceu
Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada é fácil de entender"

Nessa estrofe Renato retrata o suicídio de uma jovem, e ao se referir a estátuas, cofres e paredes pintadas (pinturas de arte) nos mostra que ela era de classe alta. E o fato de "ninguém" entender uma jovem que tinha "tudo" se matar, e ao mesmo tempo dando a entender que ela era incompreendida.

Então ele já começa a música com um ato extremo, como consequência de uma relação familiar conturbada, tumultuada , onde podemos entender que a jovem passava por grandes conflitos, mas seus pais provavelmente por considerar que dinheiro é tudo, não prestavam a devida atenção nela, possivelmente não davam afeto, o que levou a jovem a se suicidar.
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"Dorme agora
É só o vento lá fora
Quero colo! Vou fugir de casa
Posso dormir aqui com vocês?
Estou com medo, tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três"

Nos primeiros dois versos dessa estrofe, entendo que é um pai colocando seu filho para dormir em um dia de tempestade, quando os ventos uivam pelas janelas e as crianças ficam com medo.
Nos próximos versos, são frases típicas que filhos em diversas idades falam com os pais. Retrata também das fases de crescimento de uma criança, o comportamento nas diversas fases.
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"Meu filho vai ter nome de santo
Quero o nome mais bonito"

Aqui Renato faz referência à religião, mas principalmente, do orgulho de todo pai em fazer planos e considerar seus filhos as pessoas mais importantes da vida deles. Todo pai quer o melhor para o filho, pelo menos na teoria, desde a gravidez, o nascimento, na fase de criança, pré-adolescência, o discurso dos pais são regados de orgulho. O filho deles são sempre os melhores, estão sempre em primeiro lugar, são os mais bonitos, os mais perfeitos. Então nome de santo, porque todo pai, um dia, no imaginário deles, considera os filhos como sendo santos de fato. Como quem diz, "meu filho não faria isso", "meu filho é diferente".
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“É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar
Na verdade não há”

Nesses versos Renato deixa claro que o mais importante numa relação familiar é o amor, é viver bem o presente, amando as pessoas, fazendo o bem, pois um dia todos morreremos, amanhã nossos pais podem não estar mais vivos, ou mesmo os filhos podem morrer antes, como a menina que se jogou do quinto andar. Então nos dá um recado, vamos aproveitar para amar as pessoas enquanto estamos vivos.

Sinceramente este verso já virou um clichê, mas nunca vai deixar de ter importância. Eu até hoje tento levar essa doutrina para a minha vida. Amar as pessoas como se não houvesse amanhã. É difícil as vezes no dia-a-dia, no transito, no trabalho e mesmo no ambiente familiar, mas na verdade é um exercício. Vamos deixar de lado as diferenças e nos amar!
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“Me diz, por que que o céu é azul?
Explica a grande fúria do mundo
São meus filhos
Que tomam conta de mim

Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua, não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar

Já morei em tanta casa
Que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais”

A primeira estrofe possui uma ordem cronológica, e fala do crescimento, amadurecimento e envelhecimento de uma pessoa. Nesta estrofe talvez o Renato tenha igualado a criança e adolescente de hoje com o adulto e idoso de amanhã. No primeiro verso da primeira estrofe coloca uma pergunta geralmente feita por uma criança, no segundo, uma pergunta feita geralmente por um adolescente, retratando o crescimento, a perda da ingenuidade da criança. Em seguida a fala de idosos que são cuidados por seus filhos.

Nas estrofes seguintes é falado dos vários arranjos de famílias existentes. Ainda segue certa ordem cronológica, fala de uma fase em que não existe mais ingenuidade, pais separados, filhos abandonados, filhos revoltados e no final uma família tradicional.
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“É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar
Na verdade não há

Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais não te entendem
Mas você não entende seus pais

Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer”

Na segunda estrofe Renato coloca o ser humano, mas principalmente ele como insignificante. Somos tão pequenos, nossa passagem de vida é tão curta, o universo é tão grande, que nossas brigas, nossos conflitos, nossos orgulhos tornam-se mais insignificantes ainda. Então vamos deixá-los de lado e amar as pessoas, e fazer o bem. Por outro lado ele, o Renato, é um só em meio da multidão, meio que está sozinho nessa tarefa de alertar as pessoas, e que por mais que ele se empenhe em gritar ao mundo, vai ser sempre insuficiente para mudá-lo. O próprio Renato fala que nós esperamos dele respostas que ele não tem.

No final ele se distancia, não se coloca nem como pai, nem como filho. É uma terceira pessoa, madura, “sensata”, que aconselha um filho. Demorei a interpretar em que papel Renato se colocou aqui. Dos avós? De um amigo? Um parente? Um professor? Um padre? Talvez seja mais uma referência a educação e religião. São frases geralmente que ouvimos dos nossos avós, de professores ou mesmo de religiosos.

No final ele iguala os pais aos filhos, dizendo que são tão crianças quanto eles, e o que eles serão quando crescerem. Uma das frases mais odiadas pelos adolescentes é as que comparam aos seus pais. Então, ao mesmo tempo em que é um conselho, para o adolescente é uma provocação, pois ele esta num momento de ruptura com a família. Mas não deixa de ser um recado de quem já passou por isso, de quem chegou à conclusão que no final ficamos mais parecidos com nossos pais do que imaginamos, e que a adolescência é só uma fase, que vai passar e no final daremos razão aos nossos pais.

Concluindo, considero que Renato quis com essa música se colocar no papel de um educador, um delator, alertando para os conflitos familiares e suas conseqüências para os jovens, pedindo esperança e amor aos pais e filhos, aos pais que deem mais suporte emocional aos filhos e que os filhos compreendam seus pais, enfim, que os laços de família e religião sejam reforçados.